Durante a minha infância, as casas dos meus avós eram um verdadeiro labirinto de histórias, onde os gibis, como pequenos tesouros esquecidos, se espalhavam pelos mais diversos cômodos. Não eram exatamente bibliotecas organizadas, mas um misto de caos e encanto. Eu me lembro, e a memória que tenho dessa época é nítida, de encontrar caixinhas escondidas em maleiros, aquelas caixas de papelão que se revelavam como baús de pirata. Era uma verdadeira caça ao tesouro, e o prêmio eram as edições que se descobriam ali, enterradas nas profundezas de um passado quase perdido.
Algumas dessas "diversões juvenis", como Faisca e Fumaça e O Gordo e o Magro, me marcam até hoje, como se cada capa fosse uma chave para uma outra época. Lembro de uma tarde, em particular, em que encontrei um desses gibis numa caixa que estava num quarto com duas camas, mas que não serviam mais para dormir. Aquela era a antiga cama de algum tio ou tia, que, já casado, tinha deixado para trás o lugar onde suas aventuras tinham começado. E ali estavam os gibis, como vestígios de um tempo que já tinha ido embora, mas que se mantinha vivo nas páginas amareladas e nos desenhos que ainda falavam comigo, uma criança do futuro.
E não foi só isso. Mais tarde, bem mais tarde, me peguei numa descoberta ainda mais fantástica. Em uma ante-sala, que ficava entre a sala principal e o quarto dos meus avós, havia um sofá que se abria como um baú. Dentro dele, mais gibis, como se fosse uma cápsula do tempo. Cada página que eu folheava parecia sussurrar histórias antigas de outras gerações, e lembro especialmente de ter encontrado uma edição que trazia uma parte da saga História e Glória da Dinastia Pato. Eu não sabia na época, mas aquele pedacinho de história fazia parte de algo muito maior, uma narrativa interligada que só fui descobrir aos poucos, montando o quebra-cabeça da infância. Era como se o destino tivesse me dado um mapa, mas as peças estavam faltando, e só anos depois, com a chegada da Disney Especial nas bancas, eu fui completar aquela história que, em meu imaginário, se estendia para além das páginas.Essas pequenas descobertas, que pareciam insignificantes na época, acabaram se tornando a base de uma relação com os quadrinhos que perdura até hoje. No fundo, foram mais que histórias infantis — eram fragmentos de um tempo que não existia mais, mas que insistia em me chamar de volta a cada página virada.
Mas você deve estar se perguntando, com toda razão: “por que diabos ele está falando de Disney, Faisca e Fumaça, se o título da matéria promete Bonelli?” A resposta é simples — e um pouco constrangedora: porque sempre que começo a escrever, começo também a divagar. Tenho essa mania de me perder no próprio caminho, como quem sai para comprar pão e volta com uma história inteira.
Além disso, embora tenha sido na casa dos meus avós que me iniciei oficialmente nos quadrinhos, o primeiro contato com uma HQ da Bonelli aconteceu em outro cenário, alguns anos depois, ainda nos anos 80. Foi na casa de outros tios, agora do lado materno, em Bauru. Lembro perfeitamente de estar sentado no chão da sala, revirando a parte de baixo da estante, no meio de livros esquecidos e daqueles almanaques de farmácia que todo mundo tinha — os saudosos almanaques Sado, que misturavam horóscopo, receita caseira e promessa de cura milagrosa.
No meio desse arqueologismo doméstico, encontrei uma edição de Tex cuja capa trazia um esqueleto. Nada é mais eficiente para fisgar a atenção de uma criança do que um esqueleto estampado na capa. Aquilo imediatamente me transportou para outra lembrança: uma edição antiga de O Pato Donald, número 1, que eu adorava justamente por causa da história “O Segredo do Castelo”, uma das minhas favoritas da infância. E veja só — cá estou eu, outra vez, divagando e escapando da história principal, como se isso já não tivesse ficado claro desde o início.
Bem, aquele foi meu primeiro contato com uma história da Bonelli. A edição se chamava “A Mesa dos Esqueletos” e, curiosamente, eu a guardo até hoje. O que não posso afirmar com a mesma segurança é se cheguei a lê-la naquela época. Talvez tenha tentado. As lembranças vêm em fragmentos, e essa parte específica parece ter sido convenientemente apagada pela memória.A verdade é que Tex não exercia o menor fascínio sobre uma criança dos anos 80 — ao menos sobre mim. Sei que muitos leitores começaram cedo e se apaixonaram desde a infância, mas definitivamente eu não fazia parte desse grupo. Não gostava nem um pouco de bangue-bangue, como chamávamos o faroeste na época. Lembro bem dos sábados à tarde, quando esses filmes invariavelmente tomavam conta da programação da TV. E toda vez que eu ia à casa de algum vizinho para brincar, lá estava a família inteira reunida na sala, hipnotizada por cavalos, revólveres e desertos intermináveis, enquanto eu aguardava, sentado e impaciente, que aquilo finalmente acabasse para que a brincadeira pudesse começar.
Minha aversão ao faroeste durou muito mais do que seria razoável admitir. Ela atravessou a infância, resistiu bravamente à adolescência e só começou a ceder já na fase cinéfila da minha vida, iniciada ali pelos tempos de vestibular. Mesmo então, confesso, demorei a encarar o gênero com alguma boa vontade. Via um ou outro título carimbado como “clássico indispensável”, mais por obrigação moral do que por entusiasmo genuíno. Na minha ignorância bem-intencionada, só fui dar o devido valor a “Os Imperdoáveis” depois da terceira assistida — o que, pensando bem, não parece tanto, até a gente lembrar que entre a primeira e a terceira passaram-se muitos anos.
Mas veja só: cá estou eu divagando outra vez. Afinal, esta pequena crônica deveria ser apenas um parágrafo introdutório, escrito no intervalo de outra matéria, aquela sobre coleções. Em algum momento, ao esbarrar no Tex Omnibus, essas lembranças resolveram emergir sem pedir licença. A ideia era escrever o começo, marcar território e voltar depois. No entanto, já faz quase uma hora que estou aqui, sem terminar o texto anterior, preso a este parágrafo como quem entra numa livraria “só para dar uma olhada”.
Digo uma hora porque, tecnicamente, já escrevi mais coisa — mas voltei justamente a este trecho. Não que isso seja uma informação relevante para alguém além de mim mesmo. É só mais uma divagação dentro da divagação, o que, a essa altura, já deve ter ficado claro que é quase um método.
Corta para setembro de 1991. Lá estava eu, um adolescente já assumidamente apaixonado por filmes de terror, prestes a completar 16 anos — ou talvez já tivesse completado, a memória falha justamente nessas datas que a gente insiste em celebrar. Passando pela banca, bati o olho em uma revista cujo título estampava Dylan Dog. Curiosamente, não foi o nome do personagem que me fisgou de imediato, mas o da história e, sobretudo, a capa: “Jack, o Estripador”.
Naquele momento, o nome tinha peso. Em 1991, fazia apenas dois anos que eu havia assistido a um Globo Repórterexibido por ocasião do centenário dos crimes do assassino londrino, lá no distante 1889 — um programa que, lembro bem, me impressionou mais do que deveria para alguém daquela idade. Eu já cultivava certo fascínio por histórias macabras e mistérios históricos, alimentado também por um filme que havia visto por acaso numa madrugada qualquer: “Um Século em 45 Minutos”, uma daquelas pérolas oitentistas que a gente aprende a amar mesmo sabendo que não se trata exatamente de um primor cinematográfico.
A história do Dylan Dog era em preto e branco, o que, à primeira vista, representava um obstáculo considerável para mim naquela época. Eu costumava evitar, quase instintivamente, qualquer gibi assim que encontrava espalhado pela casa da minha avó. Curiosamente, não era exatamente o preto e branco o problema — afinal, eu gostava bastante de “Os Sobrinhos do Capitão”. O incômodo vinha mais da associação automática que eu fazia: histórias sem cor costumavam ser, na minha cabeça juvenil, coisa de adulto. Algo mais sério, mais denso, menos “divertido”. Uma leitura enviesada, claro, mas que fazia todo sentido dentro da lógica limitada da época. Não precisa contestar.
Ainda assim, devorei aquela edição do Dylan Dog sem hesitar, movido sobretudo pelo meu interesse quase obsessivo por Jack, o Estripador. A curiosidade falou mais alto do que qualquer preconceito gráfico. Semanas depois, outra edição surgia na banca, desta vez com um lobisomem estampado na capa — o que, convenhamos, era praticamente um convite pessoal para alguém como eu naquela fase da vida. E aqui me vejo tentado a divagar outra vez, puxando da memória um filme de lobisomem que assisti quando tinha uns seis anos e que me marcou profundamente. Mas vou resistir. Essa história fica guardada para outra matéria, ou talvez para uma pequena crônica que já existe, ao menos em rascunho, na minha cabeça.Como já disse — e provavelmente ainda direi outras vezes —, filmes de terror eram a grande paixão da minha adolescência. Uma paixão que vinha sendo gestada desde o final da infância, mas que naquele momento já estava em plena ebulição. Nesse cenário, Dylan Dog surgia como o chamariz perfeito para os quadrinhos da Bonelli: mistério, horror, assassinos históricos, monstros clássicos — tudo embalado num formato que parecia feito sob medida para alguém como eu.
Vale lembrar que “Jack, o Estripador” não foi o primeiro título do personagem publicado no Brasil, mas o segundo. O primeiro trazia uma história de mortos-vivos — outra obsessão da época —, mas acabou escapando de mim. Naquele tempo, as edições eram recolhidas das bancas antes da chegada do número seguinte, o que tornava certas revistas pequenas lendas urbanas para quem não estava atento no dia exato do lançamento.
Segui comprando os títulos mensalmente até que, em algum momento, vivi uma dessas pequenas vitórias pessoais que só fazem sentido para quem cresceu frequentando bancas e sebos: encontrei, finalmente, a tão desejada edição número 1, em um sebo de Bauru. Ah, os sebos daquela época — quando o preço de uma revista nova na banca rendia facilmente três ou quatro exemplares usados. Mas isso, claro, já é assunto para outra matéria. Ou outra crônica.
Quando a Editora Record passou a publicar Dylan Dog, logo começou também a trazer outros títulos da Bonelli, como Nick Raider e Martin Mystère. Naturalmente, fui comprando tudo o que aparecia pela frente, como quem acredita — por um breve período — que aquela festa editorial iria durar para sempre. Não durou. Pouco mais de um ano depois, as publicações cessaram, deixando aquela sensação familiar de coleção interrompida e promessas editoriais evaporadas.
Nas bancas, porém, Tex seguia firme e forte, soberano absoluto das vendas da Bonelli. Curiosamente, só fui desenvolver algum apreço pelo personagem muito tempo depois — talvez tarde demais para que ele se tornasse um favorito. Nunca foi, embora tenha lido mais historias dele do que as demais, dado ao volume de publicações e tenha muitas historias excelentes. Aqui não é sobre qualidade e sim identificação. Sempre me senti mais atraído por Nick Raider, que, no fundo, é quase o mesmo personagem, só que travestido pela estética policial urbana dos anos 80. A invencibilidade é a mesma, o caráter inabalável também; mudam os cenários, saem os cavalos, entram os carros, as delegacias e o concreto.
Zagor, naquela época, simplesmente não me atraía. Olhando hoje, é até curioso: ele sempre teve muito de super-herói — força quase mítica, identidade simbólica, aventuras que flertam com o fantástico. Talvez eu até pudesse ter gostado. Mas as capas, naquele momento, falavam mais alto: pareciam prometer apenas mais faroeste, e isso bastava para que eu passasse adiante, sem perceber que ali existia justamente um híbrido entre bangue-bangue e quadrinho de herói.
Aos poucos fui conhecendo novos títulos, que naquela altura não eram tantos, como o futurista Nathan Never, que saiu pela Globo, e outras edições especiais. Nas idas aos sebos, fui comprando edições antigas de Martin Mystere e Mister No(este, aliás, o personagem Bonelli favorito do Sander, amigo dono de um sebo em Jaú. Procurem aí por Banca Garagemno Instagram, ele entrega para todo o Brasil). Uma pena que Mister No não tenha tanta popularidade aqui no Brasil, justamente onde se passam as suas aventuras. Infelizmente, é uma obra um tanto nichada, mas a sorte é que várias editoras de garagem estão aos poucos publicando diversas edições.
Aprendi muito com os personagens da Bonelli, especialmente pelas várias referências cinematográficas e culturais presentes nas revistas. Hoje, confesso que me incomoda um pouco o jeito como essas referências são inseridas nas histórias, por meio de diálogos superexpositivos . Embora na época, quando não conhecia a fundo os temas e as referências, e tambem por serem quadrinhos feitos para a grande massa, era uma verdadeira mão na roda.
Existe aí um certo paradoxo difícil de ignorar. Quadrinhos de super-heróis nascem, em essência, para crianças e adolescentes. Claro que podem — e são — lidos por adultos, e há autores capazes de trabalhar o gênero com inteligência e ambição narrativa. Ainda assim, existe algo nesse universo que, com o tempo, a gente vai deixando pelo caminho. Algumas engrenagens simplesmente deixam de nos empolgar da mesma forma.É um pouco como acontece com o cinema de terror. Quando se tem dez anos, o medo é genuíno, quase físico, e essa adrenalina acrescenta uma camada essencial à experiência. Com o passar do tempo, esse medo vai se diluindo. Ainda dá para levar um susto aqui e ali — os jump scares continuam fazendo seu trabalho —, mas são choques momentâneos, descartáveis. Não é o tipo de sensação que acompanha a gente para casa depois da sessão. E, sim, há adultos que continuam morrendo de medo, mas isso já é assunto para a psicologia, não para esta crônica.
Algo parecido acontece com os super-heróis. O leitor adulto até se diverte, reconhece qualidades, aprecia certas soluções narrativas, mas dificilmente sai por aí imaginando aqueles personagens como algo real ou emocionalmente próximo. O vínculo passa a ser, sobretudo, nostálgico. Ainda assim, muitos leitores insistem nesse território, mesmo sem a mesma conexão afetiva de antes.
É aí que entram os quadrinhos da Bonelli. Com suas histórias policiais, tramas de crime, faroestes e investigações, eles dialogam mais diretamente com esse leitor que envelheceu, que mudou de repertório, mas não abandonou o hábito da leitura. Daí nasce a impressão — nem sempre correta, mas compreensível — de que essas HQs seriam narrativamente mais sofisticadas do que os quadrinhos de super-heróis. Na prática, muitas vezes é menos uma questão de complexidade e mais de afinidade com o momento da vida de quem lê.
Ao contrário das bandas desenhadas europeias mais autorais, os quadrinhos da Bonelli são pensados para a grande massa, assim como os das americanas Marvel e DC. São histórias acessíveis, de estrutura clara e bastante padronizadas. Parte do sucesso duradouro que encontram entre leitores adultos passa, curiosamente, pelo fato de seus heróis serem quase imutáveis — o que conversa diretamente com outro traço bastante humano: a tendência de estacionar os gostos na adolescência.
Muita gente simplesmente decide não “crescer” culturalmente. Continua ouvindo as mesmas músicas, revendo os mesmos filmes, relendo as mesmas histórias, enquanto ignora quase tudo o que é produzido depois disso. O mundo segue, mas o repertório fica parado, acompanhado de um discurso permanente de que “na minha época era melhor”. Não por acaso, essas pessoas costumam rejeitar novidades com a mesma convicção com que reclamam delas.
Nesse contexto, a Bonelli oferece um conforto raro. Diferentemente da Marvel e da DC, que de tempos em tempos atualizam personagens, discursos e até personalidades para dialogar com o público atual, o leitor que pega um Tex da década de 1940 e um de hoje não percebe grandes rupturas — fora, claro, a evolução gráfica e narrativa. A essência permanece praticamente intacta. Existem mudanças, ajustes de tom, pequenas concessões ao espírito do tempo, mas nada que ameace a identidade central da série.O mesmo vale para Dylan Dog e outros títulos. Houve uma época em que a nudez era mais frequente e o protagonista exibia um comportamento abertamente mulherengo e machista. Com o passar dos anos, isso foi sendo atenuado. Hoje há menos nudez — a chamada “gratuita”, embora eu ache que nenhuma nudez seja realmente gratuita — e o personagem surge menos cafajeste. São transformações inevitáveis, reflexo das mudanças sociais, mas que não alteram o núcleo do personagem. No fundo, Dylan continua sendo Dylan. E, para muitos leitores, essa previsibilidade funciona menos como limitação e mais como um porto seguro contra um mundo que muda rápido demais.
ÉÉ por isso que os quadrinhos da Bonelli atraem tanto os leitores mais velhos, que, acostumados com a ideia de personagens imutáveis, têm dificuldade de se conectar com as narrativas mais modernas. Esses leitores, muitas vezes, associam a ideia de “maturidade” àquilo que consumiam na juventude, criando uma falsa impressão de que esses personagens têm mais substância, mesmo que, no fundo, suas histórias sejam tão padronizadas quanto as da Marvel ou DC. É como se, ao contrário dos heróis contemporâneos, que se atualizam para se conectar com novas gerações, os heróis da Bonelli permanecessem anacrônicos, oferecendo uma sensação de segurança. Mas essa sensação não é fruto de um conteúdo mais profundo; é a nostalgia de quem se recusa a se abrir para o novo, preferindo se apegar ao que conheceu no passado. Essa mentalidade é comum: muitos ainda permanecem presos ao que gostavam anos atrás, seja na música, no cinema ou nas histórias em quadrinhos, com um olhar crítico sobre as inovações de hoje, como se estivessem permanentemente em um “tempos dourados” idealizado.
De lá para cá, li muito Tex e muitos outros personagens que foram aparecendo no Brasil ao longo dos anos. Com algumas exceções — não acompanhei tantas mensais de Tex e Zagor, e ainda me falta a primeira série do Martin Mystèrepublicada pela Mythos —, tenho praticamente tudo o que saiu por aqui dos anos 90 em diante, inclusive séries menos populares e nem sequer mencionadas neste texto.
Hoje, confesso, a repetição das estruturas narrativas, a pouca profundidade psicológica dos personagens, os clichês recorrentes e os longos diálogos expositivos acabam me afastando um pouco das histórias. Ainda assim, elas continuam funcionando muito bem como leituras para momentos em que não se quer exigir demais da narrativa — embora eu pessoalmente não goste muito dessa ideia de “desligar o cérebro”, mas isso fica para outra conversa que não cabe aqui.
Enquanto leitores mais velhos costumam rejeitar Marvel e DC justamente por tentarem se renovar e dialogar com novas gerações, a Bonelli segue pelo caminho oposto. Mantém seus personagens praticamente intactos, com raras tentativas de rejuvenescimento. Algumas séries especiais e minisséries — como uma do Mister No publicada pela Panini — ensaiam algo diferente, mas são exceções claras. Dylan Dog, por exemplo, passou por uma leve reformulação na série mensal, mas nada que altere de forma significativa sua identidade. São mudanças sutis, quase tímidas, como se o objetivo fosse ajustar o tom sem jamais mexer na engrenagem principal.
Julia Kendall ganhou uma série de especiais em que é retratada mais jovem, ainda na época da faculdade, enquanto Texpassou a estrelar Tex Willer, título que revisita sua juventude a partir da recriação de “O Totem Misterioso”. A promessa, em ambos os casos, parecia clara: oferecer novas camadas, novas fragilidades, talvez até contradições que não cabiam nas versões consagradas dos personagens.
Na prática, porém, pouco muda. Esses personagens jovens se comportam quase exatamente como suas versões adultas. Eventualmente surge um comentário sobre inexperiência aqui, uma imprudência ali, algum tropeço pontual para justificar a idade — mas, no fim das contas, todos seguem tão infalíveis quanto sempre foram. São séries que tinham potencial para ampliar a dimensão desses heróis, mas acabam esbarrando numa clara falta de ambição narrativa.
No fim das contas, talvez tudo volte àquela casa dos meus avós, aos gibis espalhados sem ordem pelos cômodos, às caixas esquecidas em maleiros e sofás com baú. Ler Bonelli hoje tem algo desse gesto antigo de abrir uma tampa empoeirada e reencontrar um mundo que continua exatamente onde foi deixado. Não surpreende que tantos leitores retornem a esses personagens como quem visita um quarto que já não é mais seu, mas que ainda guarda o cheiro da infância. Não porque sejam histórias melhores, mais profundas ou mais ousadas, mas porque permanecem ali, imóveis, oferecendo a rara sensação de que o tempo — ao menos naquele papel amarelado — pode ser gentil o suficiente para não passar.





























